Mark Boyle é
um irlandês de 32 anos que decidiu romper com a sociedade
atual e o que considera seu principal símbolo: o
dinheiro. Formado em administração de empresas, há 4
anos ele tomou uma atitude radical e passou a viver sem um
tostão no bolso. Ele mora no campo, come o que planta, toma
banho em um rio, cozinha em uma fogueira e abdicou das
mordomias da vida moderna. E tem mais: ele quer que você
também siga seu estilo de vida.
Boyle tomou essa decisão depois de ver como estamos levando
o planeta para o buraco. Segundo o ativista, nossa economia
estaria destruindo a natureza e arruinando a vida de nossos
semelhantes. E a culpa de tudo estaria no dinheiro, que cria
uma distância entre o homem e os produtos que ele consome.
“Não vemos o efeito de nossas compras no ambiente. Não
sabemos por quais processos os produtos passaram, quais os
danos que eles causaram. Não sabemos mais como o que
consumimos é produzido”, disse ele à revista GALILEU.
Apesar de evitar a civilização moderna, Boyle não é nenhum
ermitão. De um computador carregado a energia solar, ele
mantém um
blog atualizado para propagar as suas idéias e juntar
possíveis adeptos. Em 2010, ele lançou o livro The Moneyless
Man (que vai ser lançado em julho no Brasil pela editora
Best Seller, com o título de O homem sem grana). Até o final
do ano, ele deve lançar mais um livro no Reino Unido.
Há 6 meses, Boyle retrocedeu um pouco em suas convicções e
voltou a lidar com o vil metal. Mas ele diz que tem um
objetivo nobre: vai construir uma comunidade que siga seu
estilo de vida, onde todos terão acesso aos alimentos, e o
dinheiro não terá valor algum. Durante uma visita à casa dos
pais, para onde foi de carona, Mark Boyle conversou por
telefone com a revista GALILEU. Foi um lance de sorte, já
que ele se livrou de seu celular no ano passado.
Há 4 anos, Mark Boyle decidiu viver sem nenhum dinheiro (Crédito: Jose Lasheras) |
Veja a entrevista:
Quanto tempo você viveu sem dinheiro?
Foram dois anos e meio, quase três. Eu vivi num pedaço de
terra, onde cultivava minha própria comida. Eu uso um pouco
de energia solar para o meu laptop, que é o único modo de me
comunicar com o resto do mundo - eu tenho que conseguir
mostrar às pessoas que é possível viver sem dinheiro. Tomo
banhos em um rio aqui perto. Uso materiais da natureza no
meu dia-a-dia: escovo meus dentes com ossos de animais
misturados com sementes.
Mas como é sua rotina? Como foi seu dia hoje, por
exemplo?
Foi bem normal na verdade, sempre me fazem essa pergunta. Eu
coletei frutas, tomei banho no rio... Tem alguns dias que
passo inteiro plantando, outros colhendo. Em alguns outros
eu recolho lenha. Daí volto a plantar. Meu dia-a-dia é
basicamente ir atrás das coisas essenciais sem gastar
dinheiro. E isso exige habilidades muito básicas. Além
dessas coisas, também fico cuidando da comunicação, falando
com a mídia. Sabe, minha história fez sucesso nos jornais
daqui e acabei dando muitas entrevistas. Escrevo bastante,
acabei de terminar de escrever um segundo livro que será
lançado no final do ano. Mas, ao mesmo tempo em que cuido
dessas coisas, tenho que sobreviver.
O que fez você seguir esse estilo de vida?
Eu estava em uma época de questionamentos, pensando sobre
todos os problemas do mundo: destruição das florestas,
trabalho forçado, extinção dos recursos da natureza. Estava
pensando nos problemas ecológicos e sociais, em quais deles
eu poderia trabalhar, e percebi que todos têm um denominador
em comum. Eles são causados pelos vários graus de separação
entre o consumidor e o que ele consome. A gente não sabe por
quais processos os produtos passam, quais os danos que eles
causam. Não sabemos mais como o que consumimos é produzido.
Aí eu percebi que o dinheiro era um fato muito importante
dentro disso, ele nos separa do que consumimos.
Minha primeira ideia foi falar sobre as conseqüências do uso
do dinheiro, porque todos sabemos de seus benefícios, mas
ninguém fala de suas conseqüências. Mas depois de 6 meses
discorrendo sobre isso, vi que eu deveria dar o exemplo.
Acredito muito na frase de Gandhi: “Seja a mudança que você
quer ver no mundo”. Se eu vou falar disso, o mínimo que eu
deveria fazer é viver isso. Acho que dinheiro nos causa
danos de várias formas. Combinado com outros fatores
econômicos, como a divisão do trabalho e economia de larga
escala, está destruindo a natureza, porque não vemos os
efeitos de nossas compras no ambiente.
Você é formado em administração de empresas. Isso tem
alguma coisa a ver com o rumo que tomou?
Claro. Compreender como tudo funciona foi muito crucial.
Quanto mais você entende de economia e dos processos
envolvidos, mais você percebe que é insustentável. Durante 4
anos estudando economia, eu nunca ouvi falar do mundo real.
Ninguém fala de pessoas, solo, oceanos, florestas. Só
aprendemos teorias e equações, sem nos importar com o mundo
real e com o fato de o estarmos destruindo. Isso me deu uma
ideia das falhas básicas do nosso modelo econômico. O que
estou tentando fazer é criar uma nova história, explorar um
novo modelo que não seja tão dependente do dinheiro, baseado
na comunidade e na relação com a terra.
O que sua família pensou dessa mudança?
Eles me deram muito apoio. De inicio, eles não falaram muito
sobre isso, porque foi uma mudança muito súbita. Mas hoje
eles me dão apoio total, vêem que o mundo fica cada vez
pior. Quanto mais conversamos, mais eles percebem que nos
próximos cem anos as coisas vão ficar muito difíceis,
inclusive para seus futuros netos.
Nos últimos meses você voltou a lidar com dinheiro. Por
quê?
Estamos começando um projeto de comunidade onde possamos
viver 100% da terra. Onde possamos viver de um modo que não
haja trocas. Vamos plantar comida e dar cursos para quem não
souber plantar. Os cursos serão livres. As pessoas que forem
para os cursos também irão produzir as comidas nessa terra.
Queremos mostrar um outro modo de viver junto, de produzir
as comidas de que precisamos. A intenção não é só reduzir
nosso impacto no planeta, mas queremos fazer uma economia
baseada no “dar”. Não acreditamos no “dar” condicional, que
é o “trocar”, o “eu te dou isso se você me der aquilo”. Esse
é um jeito muito cruel de viver. Não precisamos sempre
receber algo em troca.
Você acha seu movimento vai ganhar mais adeptos?
Em 2008, quando a crise estourou, o movimento cresceu muito.
E agora cresce bastante em países como Grécia e Portugal. É
interessante ver que, quando a economia normal se deteriora,
as pessoas começam a procurar por outros modos de viver.
Estamos crescendo bem rápido. Quando tudo começa a dar
errado, as pessoas procuram por um modo de se salvar. É por
isso que estou tão ocupado hoje em dia, as pessoas querem
saber sobre isso. Muitos querem saber como viver sem
dinheiro, já que não têm dinheiro.
E você acha que dá pra todo mundo viver assim?
Acho que precisamos de uma transição. Precisamos mostrar as
conseqüências ecológicas e sociais de nossa economia atual.
Acredito que as pessoas vão entender que largar o dinheiro é
o único jeito sustentável de viver. Acho que viveremos uma
transição para sermos menos dependentes do dinheiro, para
restabelecermos nossa conexão com a comunidade e com a terra
sob nossos pés.
Por Guilherme Rosa
Fonte:
Galileu