Lições de uma abuela
em pé
Sim, eu tenho uma amiga árvore, eu a chamo de Árvore da Vida.
Todos os dias na ida e na volta do meu trabalho eu passo por ela
e a saúdo. Deve ser centenária, uma abuela, é exuberante, alta e
tem seus galhos muito ramificados, parecendo abraçar todo o
terreno ao qual tem fixadas suas raízes. Há dois anos, a cada
amanhecer, quando por ela eu passo, eu a contemplo e digo
rapidamente em pensamento como eu me sinto e como gostaria que
fosse meu dia, e ao final da jornada de trabalho, em um
pensamento repleto de intenção eu lhe conto como foi. Minha
amiga verde me possibilitou um grande estudo de
autoconhecimento, porque por muitas vezes quando eu estava
prestes a passar por ela, eu precisava rapidamente analisar meus
sentimentos para dizer o que eu sentia naquele dia, e isso às
vezes era difícil. “Bom dia, minha amiga, eu estou otimista
hoje!”, “Árvore da vida eu estou tão feliz!”, “Bom dia árvore da
Vida, estou muito ansiosa!”, “Árvore da vida, não tenho nada a
dizer hoje, estou péssima”. Parece loucura, mas aprendi a
resgatar o que de melhor eu tinha, para passar por ela e lhe
dizer com sinceridade, mesmo nos piores dias: “Minha amiga,
apesar do acontecido, eu tenho esperança!”. Ela sempre ali,
resplandecendo uma vida gigantesca, parecia rir-se de minhas
confusões diárias, parecia trocar aquela energia comigo, parecia
responder-me e me desejar um feliz dia.
Mas foi no decorrer dos meses que ela me trouxe o maior
aprendizado, o que me conectou com Gaia e me fez reverenciar
ainda mais a vida. Os ciclos da Mãe Natureza. Sim, eu a conheci
na Primavera, foi ali que ela me chamou a atenção, foi naquele
momento que a notei, porque durante o inverno eu passava por
ali, mas nunca a havia contemplado. Numa manhã de primavera, ao
longe, na beira da estrada eu avisto um ramalhete de flores
cor-de-rosa gigante, um esplendor de cor e beleza, o refúgio de
todos os passarinhos daquele céu. “Como não havia percebido
antes?”, pensei. No mesmo instante, diante de tanta beleza, eu
lhe enviei minhas primeiras palavras: “Você é muito linda dona
árvore”, e cada dia que eu passava encontrava um novo detalhe
dela me chamava atenção: Um verde claro dos milhares de brotos
que vertiam de dentro de sua grossa casca, as dezenas de tons de
rosa que fulguravam por toda a sua copa. Eu me sentia orgulhosa
de ser sua amiga, tinha vontade de dizer às pessoas que passavam
por ali e nem a percebiam: “Vamos aplaudir a Árvore da Vida!”
Ela vivia seu florescimento. Parecia dizer-me: “Ame! Ame muito!
Espalhe amor pela terra, seja doce, viva a beleza do amor!” E
quando por ela passava, sentia a brisa que vinha de suas flores,
e me sentia como ela, em flor! Eu suspirava e sonhava! E todas
as pessoas dentro daquele ônibus estavam florescidas, a vida
estava em broto novo, era tempo de inspiração, de amor! Era a
infância dos sonhos, eles estavam todos florescidos. É tempo de
esperança e louvor!
Quando chegava o final do ano, o seu verde estava escuro,
robusto, não havia um espaço entre seus galhos aonde não
houvesse folhas, o sol dourado tão próximo da Terra fervia o
asfalto, mas cintilava em sua magnitude. Era verão. Ela vivia
sua plenitude, era tão verde e tão bela, que todos os
passarinhos descansavam em sua sombra. Três cães felizes ali
debaixo dormiam, e ela emanava frescor e vida ao seu redor, sua
vida estava voltada para todos nós, mesmo fixa no chão, parecia
dançar celebrando o Sol nas manhãs e o luar nas noites quentes.
Quando o ônibus parava debaixo dela, um vento geladinho secava
suor e afagava a alma. Ela acarinhava a todos, mesmo que ninguém
percebesse. Eu percebia, e lhe agradecia em pensamento. Ela
parecia dizer-me: “Dance! Celebre! Viva intensamente, viva com
paixão!”. E naqueles amanheceres quentes eu estava também como
ela: ensolarada! Era tempo de exteriorizar a vida, era tempo de
celebrar o pai Sol, e em seu calor ser o frescor. Eu cantarolava
e agradecia a vida que acontecia. Os sonhos amadureceram, eram
frutos prontos para colher. “É tempo de ação e canção!”
Então eu percebi, que toda aquela plenitude, todo aquele
entusiasmo verde coruscado, aos poucos foi desbotando. Senti-me
abatida, porque o verde escuro e confiante de suas folhas foi
perdendo a cor. Tudo foi ficando marrom-dourado. Eu podia ver a
beleza que ainda vinha dela, porque suas folhas agora eram
douradas, e quando o sol do outono lhe tocava, ela parecia uma
poesia. Uma poesia saudosa. Porque as douradas folhas iam caindo
com o passar dos dias, e meu coração estava apertado, porque eu
queria vê-la sempre verde. “O que está acontecendo?” Perguntei a
ela, nos 10 s que tínhamos de diálogo enquanto meu ônibus pegava
um passageiro. Naquele momento sua resposta chegou ao meu
coração. “Desapegue-se, eu sou a árvore, não sou as folhas, é
tempo de libertação, é tempo de soltura, não fique triste com as
folhas que perco, elas não me servem mais, vão adubar a terra.”
Dessa vez, achei mais dura sua lição, porque eu estava apegada
aos seus galhos verdes e fartos, tão belos. Percebi, que como
ela eu precisava também soltar as minhas velhas folhas.
Estávamos douradas, menos ingênuas que na primavera, menos
entusiasmadas que no verão. Estávamos mais sérias. Nós duas
estávamos sincronicamente vivendo o difícil processo da
libertação e do desapego. Era o envelhecimento dos sonhos, já
que nem todos puderam ser colhidos no verão, alguns não
vingaram, eram meras expectativas, era preciso libera-los para
que adubassem o chão. “É tempo de soltar e confiar.”
Numa fria manhã de chuva do mês de junho, meu ônibus parou
debaixo dela, e se demorou mais que 10 segundos. Olhei para o
lado, e senti grande saudade, ela parecia não mais falar comigo,
não possuía uma única folha e seus caules pareciam
enfraquecidos. Sua cor era marrom, os passarinhos não pousavam
mais por ali, e os três cães companheiros estavam dentro de suas
casinhas. “Sinto-me triste”, disse para ela, mesmo sabendo que
não haveria resposta, “Você morreu, minha amiga?”, então, mais
uma vez senti suas palavras que chegavam ao meu coração,
sussurradas como em prece: “Estou aqui dentro!”. Alegrei-me ao
entender! “É tempo de recolhimento”, não tenho mais as folhas
verdes que você adora ver, mas a seiva corre viva aqui no meu
interior, libertei-me de tudo que consumia minha energia, estou
me refazendo, fortalecendo as minhas raízes, preparando tudo
para a chegada dos meus novos brotos. É preciso concentrar a
energia no que realmente importa. Meu coração bateu feliz, e
percebia que mais uma vez eu estava como ela. Éramos
sincrônicas. Eu estava recolhida e como ela, percebia que era
tempo de preparar os novos sonhos, alimentar a minha alma com a
energia cósmica do amor universal, respeitar o momento e
esperar. Era a morte dos velhos sonhos. Mas estávamos vivas, a
seiva da vida percorria como um rio o nosso ser e nos lembrava
do milagre de existir. Estávamos fortalecendo o interior para
poder gerar o amor. “É tempo de paciência e prece.”
Eu era parte da divina roda da vida! Estava em sincronicidade
com a Mãe Natureza e percebi cada dia como um milagre. Num
formoso amanhecer de sol, o meu ônibus mais uma vez parou em
seus pés para apanhar dois passageiros sorridentes que seguiriam
conosco. Olhei para o lado e meu peito se encheu de emoção ao
ver novamente o verde-bebê rompendo a grossa casca centenária.
Olhei para cima, e percebi milhares deles surgindo de toda a
parte. Fechei os olhos e senti profunda gratidão ao universo.
“Lá vem as flores!” Cantarolou docemente, tão feminina e
delicada, a minha amiga. Eu sorri para ela e percebi que
novamente eu estava em flor! Novos sonhos surgiam do meu
coração, verdinhos e renovados e me resplandeciam a alma. Mais
uma vez, havia chegado a primavera, a infância dos sonhos, o
resplendor do amor. Meu ônibus foi deixando-a para trás, e eu
senti a grandeza daquela lição dentro de mim. Os sagrados ciclos
da Mãe Terra, a dádiva da renovação, e do renascimento. Todos
nós somos a árvore da vida!
(Brisa de Primavera)